O mundo do trabalho está em constante evolução, e a legislação precisa acompanhar essa dinâmica. No Brasil, a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467) introduziu uma modalidade que buscou conciliar a necessidade de flexibilidade das empresas com a formalização do trabalho sob demanda: o Contrato de Trabalho Intermitente.
Este artigo, baseado em uma análise aprofundada da legislação e da jurisprudência recente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), serve como um guia prático para empregadores e trabalhadores que desejam utilizar essa ferramenta de forma correta, evitando as armadilhas jurídicas que podem transformar a flexibilidade em um passivo trabalhista.
O que é o Contrato Intermitente?
O Contrato Intermitente é aquele em que a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de atividade e inatividade, determinados em horas, dias ou meses. Em termos simples, é a formalização do trabalho “sob demanda”.
Ele se diferencia do contrato por prazo indeterminado (a regra geral) e do contrato por prazo determinado (a exceção) por sua característica fundamental: a não continuidade da prestação de serviços.
O “Checklist de Validade”: como funciona na prática
Para que o Contrato Intermitente seja válido e não se converta em um contrato tradicional por tempo indeterminado, o empregador deve seguir um ritual preciso:
| Etapa | Requisito Legal | Detalhe Importante |
| 1. Formalização | Contrato escrito e detalhado. | Deve especificar o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao mínimo nacional ou ao de colegas na mesma função. |
| 2. Convocação | Chamada para o trabalho com mínimo de 3 dias corridos de antecedência. | Deve ser feita por meio de comunicação eficaz (e-mail, WhatsApp, etc.). |
| 3. Resposta | O empregado tem 1 dia útil para responder. | O silêncio é considerado recusa e não gera punição nem quebra de subordinação. |
| 4. Pagamento | Pagamento imediato ao final de cada período de serviço. | Deve incluir: remuneração, férias + 1⁄3, 13º proporcional, Descanso Semanal Remunerado (DSR) e adicionais. |
| 5. Recolhimentos | FGTS e INSS devem ser recolhidos com base no valor pago no mês. | O empregador deve fornecer o comprovante de recolhimento. |
Os 3 alertas do TST: evitando a fraude contratual
A aparente simplicidade do modelo intermitente esconde riscos. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem consolidado o entendimento sobre as práticas que desvirtuam o contrato, transformando-o em um contrato por prazo indeterminado com todos os seus custos.
Alerta 1: A “Falsa” Intermitência
O pilar do contrato é a alternância entre trabalho e inatividade. Se o empregado trabalha de forma contínua, sem pausas reais entre as convocações, o contrato é considerado uma fraude.
Decisão do TST: A ausência de alternância real entre períodos de serviço e inatividade fulmina a validade do contrato intermitente, convertendo-o em um contrato por prazo indeterminado, com base no art. 9º da CLT (nulidade).
Para o Empregador: Garanta que haja um período significativo de inatividade entre as convocações. A continuidade descaracteriza a modalidade.
Para o Trabalhador: Se você está sendo convocado para trabalhar todos os dias ou de forma regular, sem a intermitência prevista em lei, o seu contrato pode ser considerado por prazo indeterminado, garantindo-lhe todos os direitos de um trabalhador CLT tradicional.
Alerta 2: O “Contrato de Gaveta” (Ausência de Convocação)
Contratar um intermitente e nunca o convocar é uma prática de alto risco que viola o princípio da boa-fé objetiva.
Decisão do TST: O fato de o empregador nunca convocar o empregado, sem justificativa ou diálogo, configura abuso de direito e ato ilícito, ferindo a dignidade do trabalhador. O contrato pode ser declarado nulo, e o empregador pode ser condenado a pagar indenização por danos morais.
O TST entende que a celebração do contrato intermitente pressupõe a vontade de manter a relação de trabalho, e a ausência total de convocação torna o negócio jurídico viciado, pois a condição de trabalho fica ao exclusivo arbítrio do empregador (condição puramente potestativa), o que é vedado por lei.
Para o Empregador: Se a demanda cessar, comunique-se com o trabalhador. A inércia total pode gerar passivo.
Para o Trabalhador: Se você foi contratado e nunca convocado, procure orientação jurídica. Você pode ter direito à nulidade do contrato e a indenização.
Alerta 3: O Pagamento “Parcial”
O pagamento ao final de cada período de trabalho deve ser integral, incluindo todas as parcelas devidas (férias + 1⁄3, 13º, DSR, etc.).
Decisão do TST: A ausência de pagamento de parcelas como férias proporcionais + 1⁄3 e 13º salário proporcional ao final de cada convocação descaracteriza o contrato intermitente, convertendo-o em contrato por prazo indeterminado.
Para o Empregador: O pagamento deve ser feito imediatamente após o término da prestação de serviço, com o recibo discriminando todas as verbas.
Para o Trabalhador: Verifique se o seu recibo de pagamento ao final de cada convocação inclui todas as verbas proporcionais.
Flexibilidade com Responsabilidade
O Contrato de Trabalho Intermitente é uma ferramenta valiosa para a gestão de pessoal em atividades com demanda variável. No entanto, ele exige disciplina e rigor legal.
Para o empregador, a chave é a transparência e o cumprimento estrito do ritual de convocação e pagamento, garantindo a alternância real entre atividade e inatividade.
Para o trabalhador, é fundamental conhecer seus direitos e estar atento aos sinais de desvirtuamento do contrato, especialmente a exigência de continuidade ou a ausência total de convocação.
A flexibilidade do Contrato Intermitente só se sustenta quando exercida com responsabilidade e em conformidade com a lei e o entendimento consolidado do TST.
Resumo do artigo “Decifrando o Contrato Intermitente: O Guia Definitivo para Usar a Flexibilidade a seu Favor e Evitar Armadilhas Jurídicas” de Said Gadelha.

